O período crítico da pandemia transformou o mercado da influência para sempre. Se por um lado os criadores de conteúdo viraram o foco das verbas de marketing com o cancelamento dos eventos públicos em razão do lockdown, por outro, toda essa atenção jogou luz sobre a falta de profissionalização de alguns deles, incluindo grandes nomes do setor. O que se viu, na época, foi um levante de questionamentos: num universo de aplicativos que oferecem milhares de seguidores e engajamento, o indivíduo que só acumula números é de fato um influenciador? Cerca de dois anos depois, a resposta veio na valorização daqueles que são autoridades ou liderança em seus nichos.
“Eu encaro a influência como uma responsabilidade, de verdade, que não é medida pelo número de seguidores. Não é essa a definição que buscamos aqui na agência. A influência, para nós, tem a ver com o cuidado que o indivíduo tem sendo representante de sua comunidade, e com sua capacidade de gerar negócios”, explica Ana Paula Passarelli, co-fundadora e COO da Brunch.
Passa, como é conhecida, se dedicou nos últimos dez anos a apoiar o desenvolvimento de negócios digitais sustentáveis e a orientar creators e influenciadores em relação às melhores práticas para o mercado publicitário. Para ela, o que se espera de um profissional da área hoje já não é mais o mesmo do que pouco tempo atrás.
“Antes, havia aquela pessoa que trabalhava pela manutenção da sua imagem pessoal por meio do status ou lifestyle projetado (olha o que tenho, veja quem é meu amigo). Essa pessoa possuía conexões superficiais com a audiência e se associava com qualquer tipo de marca, sem demonstrar preocupação com o público”, explica ela. “Era o típico indivíduo pouco engajado em causas sociais e que apoiava uma bandeira em determinada ocasião, mas depois nunca mais falava sobre ela”
Hoje, segundo Passa, as marcas buscam produtores de conteúdo que se preocupam com o bem-estar de sua comunidade, que trazem informações corretas e com responsabilidade. “No lugar do lifestyle projetado, espera-se que o influenciador compartilhe experiências de vida, tenha conexões menos piramidais com o público, e que defenda suas causas de maneira perene”, diz. Do ponto de vista dos negócios, ela explica que esse profissional precisa compreender todos os aspectos pelos quais vai se vincular a uma marca e não pode esquecer de seu senso de dever com a comunidade antes de tentar vender algo para ela
Essa diferença entre um tipo de influenciador e outro é o que pode resultar em uma campanha de sucesso ou não hoje em dia. “Na Toast, nossa agência irmã, já vimos casos de produtores que performaram de maneira muito distinta em relação a outros com o mesmo número de seguidores ̃, conta Passa. “Também vimos criadores menores, cujos resultados foram superiores a outros com público bem maior”.
Os microinfluenciadores, como vem sendo chamados os produtores que reúnem entre 10.000 e 100.000 seguidores, estão, de fato, ganhando cada vez mais espaço, e o motivo disso é a capacidade que eles tém de atingir públicos específicos com quem as marcas querem conversar.
“Trabalhando em agência, procuro fazer o equilibro de destinação de verbas entre aqueles que trazem maior alcance com os que oferecem profundidade e contato com uma comunidade mais seletiva. No futuro, vejo que teremos ainda mais um mix entre os dois”, analisa André Carvalhal, escritor e CEO da Agência3.
Também chamados de influenciadores de nicho, eles vêm trazendo mais diversidade de voz e pluralidade para um mercado que no passado era dominado por mulheres brancas. “Antes, na época das blogueiras, havia uma característica muito fechada e definida de quem eram as influenciadoras, e, hoje, vemos o fim desses limites, temos produtores de diversos tamanhos e conteúdos”, celebra André. “Se fosse para falar sobre um movimento que estamos vivendo agora seria o da democratização da produção de conteúdo nas redes sociais”.
INVESTIR É PRECISO
Fatima Pissarra, CEO da agência Mynd e autora do livro “Profissão Influencer”, é o nome que está por trás da estratégia digital de grandes personalidades do mundo artístico, como Preta Gil, Claudia Leitte, Luísa Sonza, Pabllo Vittar e Gil do Vigor. Ela acredita que o momento atual exige profissionalização dos creators, e compara o ato de criar um perfil no Instagram ao de empreender.
“É como abrir um restaurante, não é barato”, alerta ela. “É preciso investir em um bom celular, comprar uma câmera, fazer curso de edição, estudar, olhar os concorrentes… Analise quem tem um conteúdo igual ao que você quer produzir. Olhe o que as pessoas que você admira publica e comece a testar. Se você não tem dinheiro para investir, vá ao banco pedir um empréstimo”, aconselha. Mas, assim como qualquer empreendimento, Fatima lembra que o sucesso não é garantido, por isso é importante encarar com seriedade.
E quem acha que o mercado já está saturado, a tendência, segundo a executiva, é de crescimento, já que o número de consumidores de conteúdo on-line está longe de atingir seu pico. “Ainda estamos em um país com pouca inclusão digital. Quando se fala de Brasil, a maior parte da população tem baixo poder aquisitivo e boa parte possui planos pré-pagos. As pessoas podem até possuir um smartphone, mas não é 100% da população que tem banda larga e acesso ao Instagram”, analisa.
CEO da Soller Assessoria, Isabela Soller gerencia carreiras bem-sucedidas no meio digital e tem entre seus clientes Mateus Verdelho e Edson Celulari. Ela acrescenta que, além do investimento em si próprio, também é necessário se cercar de bons profissionais para aumentar as chances de sucesso.
“Já vi muitas meninas da moda que ouviram que não iriam acontecer. Elas contratavam bons fotógrafos, stylists, compravam roupas legais para construir conteúdo de qualidade, e tudo o que diziam para elas é que queriam aparecer. Mas, depois de um tempo, elas conseguiram chegar onde queriam, e as pessoas entenderam que o que elas buscavam era profissionalização”, conta a executiva. “Nesse ramo, não adianta, ninguém acorda famosa da noite para o dia”. Isabela acredita que nos próximos anos essa questão estará mais consolidada na sociedade.
A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIFICAÇÃO
Viver somente de publicações patrocinadas, o famoso publi, não é uma realidade para todos os produtores de conteúdo, especialmente os menores, por isso uma das tendências do momento é a diversificação das fontes de renda.
Os maiores podem investir em marcas próprias, assinar coleções de moda e beleza e fazer licenciamentos, o que, segundo Passa, “é um é um bom ponto de partida para quem não quer lançar um produto sozinho – o que exigiria fluxo de caixa”.
Mas há outras alternativas interessantes que todos podem se beneficiar, como o desenvolvimento de produtos digitais que atendem a uma necessidade do público. “Já vi o caso de um criador de conteúdo que mora fora do país e que passou a oferecer roteiros individualizados para os brasileiros que querem conhecer a cidade. Ele transformou seu capital social em um serviço que resolve um problema das pessoas”, exemplificou.
Outra alternativa que também tem ganhado muito espaço é a criação de cursos relacionados ao tema que o influenciador costuma abordar em suas plataformas
TODO MUNDO VAI VIRAR INFLUENCER?
Quem abre o Instagram e, principalmente, o TikTok em algum momento vai se deparar com profissionais das mais diversas áreas falando para um público consideravelmente grande sobre o dia a dia de seu trabalho. Dos nutricionistas aos especialistas em perfume, eles conquistam milhares de seguidores dando dicas e mostrando os bastidores que quase ninguém vê.
“Com a pandemia, muitos profissionais liberais praticamente se viram na obrigação de existir nas redes sociais, e alguns deles requisitaram os serviços da Soller para criar essa persona nas plataformas”, diz Isabela. “Hoje em dia, em vez de a pessoa procurar por um médico no Google, por exemplo, vai buscar informações sobre ele no Instagram”.
Mas e quando o influenciador é também funcionário de uma empresa e fala sobre outro assunto? É aí que entra um serviço novo que as assessorias estão começando a oferecer. “Na Brunch, a gente ajuda as marcas a identificar esses talentos dentro da casa e os orienta a se posicionar adequadamente usando as plataformas digitais. O objetivo não é fazer com que falem sobre seus empregadores, mas prepará-los para que saibam que, quando estão nas redes, representam as empresas”, detalha Passa.
O mercado da influência também vem demonstrando que a supervalorização de quem documenta a vida no Instagram, no TikTok, no YouTube ou LinkedIn traz consigo um perigoso um efeito colateral: as empresas passaram a priorizar a contratação dos creators em detrimento de quem opta por uma vida com discrição – independentemente de sua qualidade como profissional.
“Isso realmente já está acontecendo, mas, pra mim, fica muito claro o quanto a empresa não sabe o que é influência. Ela não é uma soft skill, é a capacidade que a pessoa tem de argumentar e construir relacionamentos de maneira assertiva. Não é sobre quantos post faz, se tem conta aberta ou privada, se tem um canal no YouTube ou não. Influência é a capacidade de conseguir estabelecer relações com as pessoas”, finaliza Passa.
Fonte: Vogue
https://vogue.globo.com/vogue-negocios/noticia/2022/10/para-onde-caminha-o-mercado-da-influencia.ghtml